A culpa
Pode um ano louco como esse, uma pandemia que mata aos milhares trazer algo de bom? Impossível, pensamos todos, isso é lógico. Mas poderia, deveria, tinha que. Se alguma coisa boa pudesse vir no meio de tudo isso, imagino seria olharmos pro outro e vermos como um espelho. O legítimo não faça pros outros o que não queres que façam pra ti: ou seja, empatia. Palavra tão simples, mas tão complexa. A médica Marta Machado escreve um texto cru, franco, forte, um texto que não dá nomes, mas aponta vários culpados.
Leia e reflita.
A culpa.
Marta Machado, médica
É de ninguém.
A responsabilidade é de todos nós.
Todos nós que pensamos com o umbigo.
Todos nós que não estamos acostumados a pensar de forma coletiva.
Todos nós que sempre queremos dar um jeito de tirar vantagem.
Todos nós que afrouxamos ou deixamos afrouxar.
Todos nós que não aguentamos mais quando precisamos aguentar.
Todos nós que confundimos todos os dias o urgente com o importante.
Todos nós que não fazemos cálculos matemáticos de como se transmite o vírus.
Todos nós que achamos que temos o corpo fechado.
Todos nós que não paramos em casa e deixamos a angústia nós mover e nos dominar pra um jantarzinho rápido.
Todos nós que nunca dissemos: me passei não me cuidei.
Todos nós que não contamos que testamos positivo.
Todos nós que tivemos sintomas leves e não rastreamos os nossos últimos contatos pra avisar.
Não tem político de estimação.
Os políticos nunca educaram ninguém.
Fazem política, mas não ensinam a pensar.
Todos nós não estamos querendo mais falar em covid.
Estamos cansados de falar em doença.
Então não diga que o problema é o jovem que aglomerou na praia.
A criança que passou pro vovô.
Eles também estão internados agora.
Adultos, jovens, e crianças.
Ou a gente tira a máscara da desumanidade e coloca a da empatia de uma vez para sempre ou amanhã pode ser a vovó que a gente passou o ano visitando, posso ser eu, pode ser você, podem ser nossos filhos.
Pode sim.
A responsabilidade é de nossa comunidade.
Nós nunca nos unimos.
Para nada.
Que possamos aprender a força que tem se unir sem governo, ou apesar dele.
E poder escolher como vai ser o novo normal de cada um.
Nossa chance de fazer deste limão uma limonada para a consciência coletiva é agora.
Cuidem um dos outros.
As máscaras estão caindo.